Início chevron_right Capítulos chevron_right A Origem do Futebol
Capítulo 1

A origem do futebol: do Cuju ao futebol moderno

É tentador resumir a história do futebol a uma frase simples: “nasceu na Inglaterra”. A verdade é muito mais interessante. O futebol moderno, com regras, árbitro, competições e clubes, consolidou-se no século XIX — mas a ideia de um jogo coletivo com bola atravessa civilizações, épocas e costumes até ganhar a forma que conhecemos.

Este texto percorre os principais marcos dessa trajetória: os jogos antigos que já lembravam futebol, o período medieval marcado por partidas caóticas, a virada das regras escritas e o surgimento das grandes instituições e competições inglesas que ajudaram a padronizar o esporte.

history 1) Antes do “futebol”: quando a bola já era parte da cultura

Muito antes de existir um manual de regras, diferentes povos já praticavam jogos com bola. Não eram “futebol” no sentido moderno, mas carregavam elementos que reconhecemos facilmente: objetivo claro, equipes, disputa por território e controle da bola com o corpo.

Cuju (China): o alvo em rede e o jogo sem mãos

Entre os registros antigos mais citados está o Cuju, praticado na China desde tempos muito remotos e com grande popularidade em certos períodos. O jogo é descrito com:

  • bola (com materiais variados ao longo do tempo);
  • campo delimitado;
  • traves/estrutura com uma rede e um alvo por onde a bola deveria passar;
  • uso predominante dos pés e restrições ao uso das mãos.

A ideia de pontuar ao acertar um alvo e a ênfase no controle com os pés criam um paralelo direto com a lógica do futebol.

Epísquiro (Grécia): equipes, linhas e resistência física

Na Grécia antiga, o Epísquiro aparece como um jogo de bola em equipe, com linhas de campo, divisão de lados e objetivo de avançar sobre o adversário. Era um jogo exigente, que demandava resistência e organização coletiva. O uso do corpo (incluindo mãos, em certas descrições) lembrava modalidades de avanço territorial.

Harpasto (Roma): posse de bola, contato e funções

Os romanos adaptaram jogos gregos e deram novas formas à disputa com bola, como o Harpasto. Ele é descrito como um jogo rápido, intenso, com contato físico permitido, foco em manter a posse e impedir a recuperação pelo rival. Um detalhe interessante é a presença de funções mais definidas entre os jogadores, sugerindo um embrião de organização tática.

Pok-ta-pok (Mesoamérica): borracha, aro e desafio corporal

Em civilizações mesoamericanas, o pok-ta-pok é lembrado pela bola de borracha sólida e pelo objetivo de fazê-la passar por um aro, normalmente sem o uso das mãos. A combinação de técnica, regras e objetivo de pontuação reforça que a história dos jogos com bola é global — e não exclusiva da Europa.


castle 2) A Idade Média: partidas gigantes, regras mínimas e muita confusão

Se os jogos antigos mostram que a ideia é antiga, a Idade Média revela o lado mais “selvagem” do esporte: partidas populares, com multidões, pouca padronização e muita força física. Surgem tradições locais que misturavam festa comunitária, rivalidade e disputa. Entre os exemplos desse período aparecem jogos como:

  • Soule (França),
  • mob football (Inglaterra),
  • Cálcio (Itália).

Em geral, eram jogos com poucas regras formais, objetivos simples (levar a bola a um ponto) e grande permissividade de contato físico. Muitas autoridades tentaram proibir essas práticas, justamente por causa da violência e do caos que provocavam.

Cálcio Fiorentino: um jogo “organizado” em plena turbulência

O Cálcio Fiorentino se destaca por ser descrito como um dos poucos jogos da época com um nível maior de estrutura: campo mais definido, regras mais claras e equipes enormes (com dezenas de jogadores). Ainda assim, era um jogo duro, com contato físico pesado e partidas longas.

Mob football: o “futebol das massas”

O mob football é retratado como um fenômeno social: aldeias inteiras disputando a bola, sem limite claro de jogadores e explicações simples para vencer. Em muitos relatos, a violência era parte do pacote — e isso ajuda a entender por que a evolução do futebol dependeria, inevitavelmente, da padronização de regras.


school 3) A virada decisiva: quando escolas inglesas criam regras e o jogo muda

Um dos movimentos mais importantes para a transição rumo ao futebol moderno foi a adoção do jogo por escolas inglesas. A crença era que o esporte ajudava a formar disciplina e espírito coletivo. O efeito, porém, foi paradoxal: cada escola criava suas próprias regras.

Isso gerava um problema prático: quando escolas diferentes se enfrentavam, o jogo virava disputa sobre qual conjunto de regras valia. Desse conflito surge a necessidade de criar um padrão.

1848: as Cambridge Rules

Em 1848, surgem as Regras de Cambridge, um passo crucial rumo à unificação. Esse conjunto de regras ficou marcado por:

  • preferência pelo jogo com os pés;
  • restrição ao uso das mãos (com exceções específicas);
  • introdução de conceitos como faltas e impedimentos;
  • um corpo de regras escritas e replicáveis.

Essas regras se tornaram referência e influenciaram clubes e outras instituições.


groups 4) Clubes e padronização: Sheffield FC e a fundação da FA (1863)

Com o jogo ganhando espaço fora do ambiente escolar, surgem clubes organizados. Um marco importante é o Sheffield Football Club (1857), frequentemente lembrado como um dos primeiros clubes estruturados fora de escolas e universidades.

O contexto do período mostra que ainda existiam diferentes “escolas” de regras. Para resolver isso, em 1863 nasce um dos pilares do futebol moderno:

Football Association (FA): o nascimento das regras oficiais

Em outubro de 1863, representantes se reúnem para discutir e estabelecer um conjunto unificado de regras. Em dezembro do mesmo ano, as regras são publicadas oficialmente e começam a se espalhar. A criação da FA foi decisiva para:

  • reduzir a violência do jogo;
  • separar definitivamente o futebol de práticas que favoreciam o uso das mãos;
  • estabelecer um modelo replicável e fácil de exportar para outros lugares.

gavel 5) O futebol ganhando “forma”: goleiro, escanteio, travessão, apito e rede

Mesmo após a padronização, várias peças do futebol moderno surgiram aos poucos. Entre os marcos lembrados estão:

  • autorização mais clara do papel do goleiro (com uso de mãos em condições específicas);
  • criação e formalização do escanteio;
  • adoção do travessão;
  • introdução do apito para arbitragem;
  • ajustes no arremesso lateral;
  • invenção e adoção da rede no gol.

Esses detalhes parecem pequenos, mas mudam completamente a leitura do jogo: deixam o esporte mais justo, mais compreensível e mais fácil de organizar em competições regulares.


emoji_events 6) Competições: FA Cup e o início da cultura do torneio

Com regras se consolidando, o futebol ganha um palco definitivo: a FA Cup (1871), lembrada como uma das primeiras competições oficiais. O torneio ajuda a transformar o futebol em:

  • evento público;
  • prática organizada;
  • tradição esportiva com calendário e importância social.

payments 7) Amadorismo x profissionalismo: o choque que mudou o futebol

Uma tensão atravessou a evolução do esporte: amadorismo versus profissionalismo.

  • Para a elite, o futebol era um “jogo de cavalheiros”.
  • Para a classe trabalhadora, o futebol demandava tempo, esforço e deslocamento — e, sem remuneração, era inviável competir no mesmo nível.

A virada ocorre quando o profissionalismo passa a ser aceito, abrindo caminho para estruturas mais sólidas e competições regulares.

1888: nasce a Football League

Com o profissionalismo e a necessidade de regularidade, surge a Football League, trazendo temporadas organizadas e continuidade de confrontos. A liga acelera:

  • o desenvolvimento tático;
  • a especialização de posições;
  • a construção de identidade de clubes e torcidas.

Conclusão: o futebol não nasceu pronto — ele foi construído

O futebol moderno é resultado de um longo processo: de jogos antigos com bola a disputas medievais caóticas, das regras escolares à padronização institucional, e do ideal amador ao esporte profissional e competitivo.

Entender essa trajetória é perceber que o futebol não é apenas uma invenção de um lugar ou de uma data: é uma construção histórica — e talvez por isso ele seja tão universal.

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